Os ratos estão em toda parte. Habitam castelos e casebres, arranha-céus e barracos, que têm o chão salpicado de estrelas.
Roem tudo. O tempo, a glória, a sabedoria, a caridade, o sonho, o bem e o mal.
Cidadãos do mundo, devoram livros e tradições, dão tiros e recebem tiros, são credores e devedores, analfabetos e letrados, abstemos e bêbados que passam a noite mastigando as pedras de gelo que flutuam em suas solidões.
Ratos silenciosos que parecem roer o silêncio, ratos barulhentos que gritam nas esquinas, buzinam nas encruzilhadas, e dançam ao som de baterias delirantes.
Em tudo eles estão presentes. Nos momentos mais graves, guincham chacotas, nas horas mais alegres falam de ratoeiras negras, nos instantes de ternura dilaceram a vida com dentes agudos.
Andam a pé, de automóvel, de trem, de avião e embarcam sempre como turistas afoitos nos transatlânticos sem pressa.
Lêem para dizer que leram, viajam para contar aos amigos que em Paris a vida noturna é bela; que as touradas emocionam; que a Holanda é um país conquistado ao mar.
Ah! Eles invadiram todos os cantos do planeta. São candidatos a tudo, ocupam todos os postos, dominam todas as latitudes, penetram todos os segredos.
O mundo vai se tornando um queijo, um grande queijo entregue à sanha dos roedores.
Atrás deles vem a peste. A epidemia da burrice, da covardia, do fanatismo, da violência, da amoralidade.
Os ratos estão em toda a parte, até na alma onde tentam devorar as últimas palavras desta crônica.
Fonte: Livro “Aquele Menino”, páginas 113 e 114 – escrito pelo assessor da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, Paulo Bomfim.
Fonte da foto: filme Ratatuille, retirado da internet.